quinta-feira, 22 de março de 2012

GRADAÇÃO DE SOMBRAS





A Hora Negra

( Às poetas Adriana Zapparoli, Célia Musilli
& Marceli Becker )

I.
Apagar labareda ante os olhos de um dragão
            Atordoada manhã de branca lamúria

Lesmas ruminam suas raspas
nas bordas difusas 
do atalho
por onde as sementes ondulam suas crinas
numa dança margeada de silício e clarão

Um fantasma rodopia
            camuflado
            na bruma 
           
Uma gota de esperma do pássaro azul
cai no massapê e se estatela

: a alma dos que não voarão
            se estanca numa liga
de argila / carbono & borra

            : vídia
             âncora
            cloaca de sombras

O declive / o arado / a emplumação de reticências
brotam como ilhas enfartadas

Dor num arquipélago de louça





II.
Sol entre nuvens

Dissipa-se / lenta
            a morfologia do baço

Alguém racha lenha
nos fundos da vivenda

            Varas no ar
            fisgam escamas
&
alguns meninos empinam larvas
com seus corpinhos esticados sobre as pedras:
            trocófora / véliger
            zoea
            megalopa

A mãe providencia a alforria da fumaça
            A cor do albatróz
            persegue os lírios
            & o céu se fecha

O figo não é um fruto
            é um sicônio
Um jardim às avessas


: as flores estão por dentro
& a entrada
está
no
sul




III.
Varanda / rede
sol a pino
& a face maldita da gula

            Uma gaiola de gafanhotos à espera do sacrifício
            amarrada num arame
            ao batente da porta

            Explodem. Pipocam. Ricocheteiam
            como dardos de mola
            num couraçado

O arroz / o feijão
a salada presumivelmente bem lavada
de algum musgo eólico
            a galinha cheirosa
            dissolvida no porco
a banana

Um lagarto lambe o ar
uma teia laça a brisa
& as folhas taludas 
cavalgam um potro de vento

Dormir / dormir
Até os contornos se perderem




IV.
Quimeras

Uma esfera de metal
mais pesado que o chumbo
paira sobre os eucaliptos
& o barril de piloros / duodenos
& jejunos
Ar minguante. Traça obesa de vida fácil

Intuo uma corcunda tabela
            dos elementos
de um Mendeleiev negro / de expressão inuit
com os pés espremidos nos sapatos

A cabeça se estica
como o aparelho bucal
            de uma larva de libélula
            ou a boca de certos peixes
que se presumem donos do mundo

Gira / gira
A cabeça não para

Bondes perdidos
aviões a tomar

Sóis verdes
Campos magenta
            silos amarelos
            que se dissolvem
& se refazem

Algarismos romanos / cifras egípcias
Um cortejo de gimnosofistas pelados /
            alinhados / indianos
Uma retórica dos elementos
Um verso fundido no bronze
O oriente de Nerval
            a mão

Mapas celestes da Caldéia
Cartas náuticas portuguesas
Os dedos / as narinas
            as orelhas nos leprosários

As olheiras
Um barco emborcado no pico da neblina
Um mastodonte de pedra

Uma calça US Top

Napalm

Uma criança nua
            a fugir das bombas

A cabeça se contorce
A cabeça pulsa
            expande
se contrai
como o corpo septado de um verme da terra
a cavar um túnel
num futuro enganoso




V.
A mim me bastaria / para passar um dia
o oceano contido num espelho d' água

            Com isso
as hidras de pensamento viriam
            por elas mesmas
disparar o gatilho do verbo
& a vida explodiria das águas
mais uma vez

            Cirro-cúmulo
Bastariam alguns flocos de nuvens
para criar um rebanho
uma fazenda / um condado
de uma próspera república
27 figueiras enfileiradas no horizonte

& se uma rã caisse n'água
            os círculos
            concêntricos
paririam uma dinastia chinesa
            com suas sedas
            bambus
            a solidão dos rios
& sua retórica dos elementos




VI.
O cerne do dia 
dança melhor a partir desta hora
            em que a verdura se prepara
para o falo do sereno
antes de se fender 
ao falo
dos que não 
têm sombra 


então
            as músicas se invertem
            uma nova cosmogonia
se instaura

Brisa fresca
andorinhões / revoada de cupins

            Ainda
o silêncio
dos sapos

Lento
abandono a exúvia dos subterfúgios
            - lona que hermetiza
            a carga -
para vestir meu pelame escamoso
de lobo / dragão / mandrágora
livre como um diabo de paina
translúcido radiolário
            de gelo




VII.
O uivo
antes da fera:
libertá-los

O hálito
o almíscar:
dar-lhes vento

- enfim
o escuro

Garras
Dentes
Sabre

Sabe a noite a que veio:
negra / não interpela

embala o cosmos
            em seu útero de piche

& compreende os segredos
que a claridade oculta

Dionísio é mais feliz agora
que o híbrido / o mosaico
            o ginandromorfo
têm fala


***
Poderás cuspidar teus ossos
radiar tua simetria
emanar como todos os bichos
& escalar como qualquer liana
            em sincronia

& poderás também ser pedra
uma planície calcárea
ovo de mamífero
teta de ave
umbigo de musgo
uma guelra / absinto / colóide pulsátil
            que a noite é complacente
            com os ricos de espírito
& o desdobrar


***
Queres escrever
um ensaio sobre a inundação?
A devastação?
A extrusão do excremento?
            Faça-o de dia

que a noite
são os dedos de uma freira

Ela acolhe
quem teve as últimas virtudes
desfiadas num hospício
            abraça a solidão
            dos realistas

- a única que enterra
o último coveiro


***
Dama negra de vulva labiosa-
está para a ardência
            como a hemácia
            para o sangue

            Em seu túnel de barro cósmico
            outras vulvas
                        suplicam
            os falos latejam
            apossados pelo gene ancestral
            que preparou o advento dos que nascem
            sabendo sugar

[ um Priapo em tons de zarcão
            é seu consorte
polilépide ]

Por isso as vertentes das ravinas fazem água
quando as quintessências saem da toca
            & o verbo se desdobra

Hora de ladrar com as salamandras
ejacular galáxias

fazer da eminência do grito
um estrondo


(Obs.: O desenho é de meu ex-aluno, João Paulo Morselli) 



terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

PERSPECTIVA







Conto I

( Para meus alunos )


No vergar da tarde
um dos olhos do pássaro
escorreu
pela casca da árvore

rolou
pelas bordaduras da horta

foi secando / agregando detritos

perdeu-se num labirinto
de entulho

subiu pela tomba das saúvas

atiçou avalanches

& parou

- seco / coriáceo / vítreo-
na crista do vulcão
onde as formigas desciam
com as folhas

: a órbita-olheiro
não lhe serviu


Veio então a escuridão girina
- delírio terção de lua nova-


De manhã, um homem descalço
com uma haste de capim entre os dentes
especulou, com franqueza, sua própria 
adolescência de rotina

& o pássaro caolho pousou na roldana do poço
& o pássaro  caolho
recitou / piou
sua mais plena integridade
camoniana



segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

ORIGEM








Abraço

( Para Alberto Marsicano )

Chãos apolares


Qualquer diversidade interessa. Até a
que se intuiu
                              & se perdeu


Fósseis nadam-me extintos
                              na ogiva da pele
& sou fiel à vaga neblina siluriana

& aos nós da liana
& aos cardumes de areia


Bebo dos cálices da flora. Cheiro.
Afago os ninhos de seda
                              Um jaguar lambe a cria
           

Nas manhãs que se foram
sou discípulo dos ossos
- pó das Moiras            a fiar

& os fios de cada um
numa
roda da fortuna

: todas as cordas 
da sítara
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

CHUVA








قصيدة

(Para Jacineide Travassos
& Bernardo Souto.
Poetas)


Zeinab
no quintal
recolhendo roupas

um latido / dois
pássaros
trovão


As primeiras gotas
& algum resíduo mineralizado
de vida
já percola
nos interstícios das pedras
onde a plântula
se escora


Agora o caldo
                        [Abrupto]
[Ad libitum]


Água / seiva
- se escorre é honesto


Pouco escapa
aos olhos negros da mabúia
que fugiu do muro
à glosa certeira
de um indefinível camaleão
imaginado 


Roupas salvas


Ela na varanda- a alma esticada no oriente


Eu: o abençoado do tempo. Penso um poema


Meu peito
- nervura de palma num oceano de areia





O título significa "Poema" (Kasidat), em Árabe
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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

NUANCES

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Fábula II

( Para Luís Costa,
poeta )


Lagos abissais
com margens de rutênio

blocos de rocha ácida
árvores
torcidas


                     O andante
não se deteve na borda das noites
                       / dos dias /
ou na dobra de qualquer rutilância
                       
: mergulhou
nas cores do nácar
& da orca

- megalopa
nos círculos da íris-

mas não achou
a flor do mal
na derme da holotúria
*
      então 
      seus peixes interiores vieram à tona
pra libertar anéis de fumo
                      no balanço da hora
azul


Galhos discretos
com rama escandente 
                            / cornetas de Datura /

- o universo suspenso numa folha






quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

TEMPO

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Termino de receber um texto apreciativo sobre a minha poesia e gostaria de compartilhar com os amigos:


O LENTO OLHAR PERSEVERA

O caminho mais previsível para penetrar na obra poética de Assis de Mello está em lembrar a sua formação de biólogo e, a partir dela, tecer considerações sobre seus versos. O maior diferencial, no entanto, de sua obra parece estar na habilidade com que não se remete ao passado nem aponta para o futuro.
Os versos dele fazem vivenciar a matéria do tempo presente. O olhar que lança sobre o mundo é o da “lentidão dos moluscos”, como aponta no poema “O louco Diante do Espelho”, onde ainda afirma “e também trago a casa às costas”. A proposta é de uma passagem das horas dominada por uma psicologia do rastro, da delicadeza, do vislumbrar a realidade.
O texto que surge é o da “paisagem em semi-tons” e “o olvidar constante”. Instaura-se assim uma voz regida pelo cinza, sem radicalismo, potencializada pelo poder de observação. O esquecer permanente do ser e do viver gera a “extrema felicidade/em abarcar o mundo”.
As imagens do judeu errante, condenado a vagar pelo planeta, e de Prometeu, penalizado a ter seu fígado eternamente bicado por uma águia, finalizam o livro Na borda da ilha (Lumme Editor, 188 páginas, 2010). Tudo está  condenado a recomeçar, pois mesmo que as pessoas e titãs se esvaiam, o olhar do lento molusco a carregar sua casa pelo mundo persevera.

 Oscar D’Ambrosio
Doutorando em Educação,
Arte e História da Cultura 
na Universidade Mackenzie.
Mestre em Artes Visuais 
pelo Instituto de Artes da Unesp.
Integra a Associação Internacional 
de Críticos de Arte (AICA-Seção Brasil). 

Mantém o programa Perfil Literário
na Rádio UNESP

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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

DIGNIDADE

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Cape May Point

( Para Andréia Carvalho )


Olhos de quilha
na casca amotinada
das ondas

cantilena
                        bisada
no pas-de-deux dos naufragados
no limo


Há morangos na mesa
& flores por baixo
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                        & uma velha
com mais sacolas
do que pode carregar
segue ofegante


Sim- longe vão as horas
para a mosca aprisionada
                        no escafandro-

                        seus olhos                       
                        seu corpo
não choraram como os nossos
chorarão


O vento / a areia
leitaram o vidro que ofusca
a manobra dos barcos

o barro / a moringa
suam betume
no chorume dos mortos

& o farol
não me diz muito


Eis onde o límulo
desova os seus segredos
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sábado, 13 de novembro de 2010

NA BORDA DA ILHA

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MEU LIVRO RECÉM-LANÇADO
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APRESENTAÇÃO

Apresentar Assis de Mello nesta sua primeira coletânea é expressar o prazer da descoberta de algo que se julgava exíguo, na extinção das corredeiras que se afunilam como filetes de água nas florestas.
Muitos são os que se aventuram na alta arte do fazer poético, mas poucos são aqueles que a alcançam. O professor, o biólogo Francisco de Assis Ganeo de Mello é uma daquelas surpresas raras que surgem do acaso, da despretensão. Ele escreve porque sua alma assim o pede e articula com primor a linguagem da poesia de maneira espontânea, sem apelar para modismos caducos ou para a superficialidade do anedótico.
Sua poesia, sem que ele se esforce para tal, caminha em versos de pulso rítmico e é tocada por rimas livres bem distribuídas que reforçam a força imagística do texto.
Em seu primeiro livro, NA BORDA DA ILHA, ele reúne poemas escritos ao longo de sua vida, entre uma pesquisa no laboratório ou uma aula na Universidade.
Agora, ele se rende à tradição do livro “com capa e páginas” que, certamente, serão folheadas e relidas, além de obterem o justo reconhecimento no panorama da nova poesia brasileira.
Então, para melhor apresentá-lo e ratificar o que pretendo, presenteio o leitor com esses belos e instigantes versos do poeta:

 Na estação das águas
contemplo os canteiros das bruxas
                                             : no estio
 retiro os camarões das tocas

- eis de onde vem minha extrema felicidade
em abraçar o mundo

Não haveria, decerto, maneira mais luminosa para concluir essa apresentação e dar as boas vindas ao poeta Assis de Mello.

    Denise Emmer

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PREFÁCIO

A poesia de Assis de Mello em NA BORDA DA ILHA é predominantemente voltada para as pequenas coisas, qualquer latejar é um caro amigo que tenho, pois tudo / reinventa o segredo das conchas. Intimista e confessional, expressa uma relação amorosa com o mundo: Já paraste num acidente da paisagem / pra sentir nesses átimos / teu próprio respiro ? / dessas coisas / me nutro.
Poeta do detalhe, celebra a ousadia / de um sol nas omoplatas / um pequeno bivaque na serra / a lua nos dentes, a lentidão nas horas. Mas em cada experiência do particular também vislumbra o todo; no microcosmo o macrocosmo, como ao enxergar o universo nos olhos de uma novilha, em Nos Campos do Norte. É uma percepção do mundo que se traduz poeticamente através de oxímoros, sinestesias, correspondências: Parte das horas / cai escura / como o mogno / A noite é branca / O sono tem a luz da tona. Especialmente, as correspondências entre corpo e natureza, como neste tão lírico neblina fêmea que serena sobre meu corpo / distante / no mais velado dos silêncios / e o torna volátil a sonhar tua pele / teu gosto / teu cheiro / e tuas umidades / todas.
São poemas com algo de relato. Assis de Mello conta pequenas histórias, oferece fragmentos, momentos especiais, de sua própria biografia. Mas essa história pessoal confunde-se com história do mundo todo: Falo das línguas e das bocas / e de cada um dos gemidos / que não ousamos conter / no turbilhão de santuários / que nos coseram no tempo.
Com um pé na contemporaneidade e outro na antiguidade, dialoga com Vico, Nietzsche, Heráclito, Blake, Ungaretti, Neruda, Celan, e com aqueles poetas de hoje aos quais faz dedicatórias. Quer tornar presente o passado e eternizar o presente. Este verso podia ser uma epígrafe geral, do livro todo: E hoje é tudo. Isso, porque sua poesia é sobre o tempo, e também busca sua anulação. É tempo total: os escribas de Hamurabi / os grão-vizires / Bach e o tropel dos hunos / ressoam / em minhas manhãs. Os vários tempos da poesia.
Não há, em NA BORDA DA ILHA, menção diretas a Deus, divindades, entidades transcendentais, símbolos de cultos religiosos. Ainda assim, seria possível, a propósito de Assis de Mello, falar em misticismo, em uma poesia vivida como experiência religiosa? Sim – mas de uma religiosidade pessoal e de uma religião da própria poesia, secular e profana. Algo afim ao que Novalis proclamou: Mas o verdadeiro poeta sempre permaneceu um sacerdote, assim como o verdadeiro sacerdote sempre permaneceu um poeta – e não deveria o futuro nos trazer de volta esse antigo estado de coisas? E, reiterando: No mundo antigo, religião já era até um certo ponto o que se tornará para nós – poesia prática.[1]
É bem arcaica a associação do poeta ao visionário, e da criação poética ao delírio inspirado. Justificando-a, todos aqueles poetas que transitaram na fronteira entre lucidez extrema e loucura; por vezes, a exemplo de Nerval, ultrapassando-a. Assis de Mello a reafirma: Pelo umbral da expiação / venha a outra / a companheira / ter conosco a divindade / de um delírio. E o tema da loucura, das associações de experiência poética e loucura, acompanha NA BORDA DA ILHA: Desde que enlouqueci / ganhei novos direitos / e um novo dialeto [...] recito duma cartilha / que poucos saberão solfejar. Por isso, cá estamos / com essa exclusiva insanidade / cotidiana, podendo proclamar que bendita é a chuva na loucura nossa. Tal ‘loucura’ é lucidez extrema. Novamente, cabe o paralelo com Novalis, que, em um de seus derradeiros fragmentos, já afirmara que Um mágico é um artista da loucura. E neste trecho famoso, particularmente visionário, que A loucura comunal deixa de ser loucura e torna-se mágica. Loucura governada por leis e em plena consciência. Todas as artes e ciências repousam em harmonias parciais. Poetas, loucos, santos, profetas.
Outra frase que poderia ser epígrafe do livro todo: poesia é submersão. Por isso, seu mundo pode ser sublime, e também aquele do horror, como no expressivo poema sobre o expressionista Edward Munch, ou na denúncia de um mundo em rasgadura / de um inocente esquartejar. Constatações da dureza do real imediato, ou descidas iniciáticas aos infernos? Ambos, provavelmente, como nos dramáticos confrontos do eu e o outro, sujeito e objeto, no poema intitulado Predador, e nestes versos fortes: Daí o rasgo / a vulva de arenito e estanho / onde me dobro qual um verme / na moela de um abutre – assim equiparando-se a Prometeu, ou oferecendo sua leitura pessoal desse mito.
Mas o que predomina em NA BORDA DA ILHA é a delicadeza, como em Ocarina; a celebração do encontro amoroso, com os dedos leves / num gentil prelúdio / de um dedilhar de mulher. O encontro amoroso equivale à superação de opostos: O sopro morno / nas entranhas / da argila / dura.
É poesia que expõe uma poética, mas sem ser cerebral e discursiva. A poética do navegar na contracorrente, e opor-se ao senso comum, ao prosaico. Para ele, poesia é arar o mar & nadar contra gumes de facas.
Em especial, há uma complexa reflexão filosófica nas entrelinhas do poema sobre os vocábulos dinamarqueses, os drøm behageligt, hemmelighedsfuld, måne // stjerne, jomfruelig pige. Nem precisava ter posto ao lado as traduções desses vocábulos; podia deixá-los como glossolalias, sugestões a serem preenchidas pela imaginação do leitor.
O mais importante, entre as várias qualidades de NA BORDA DA ILHA: a síntese ao captar o instante de encantamento; seu registro com a precisão dos bons hai-kais: a imagem / na água / um silêncio branco / a leveza das penas / seu olhar / em meus olhos / um gosto na boca. Há um quase nada, minimalista, que ao mesmo tempo expressa tudo, ao vislumbrar que Estilhas / talharam o dia / quando a pedra / caiu.
Canto do Cisne é o título de um dos poemas de Assis de Mello, sugerindo que chegou a um fim. Mas sua leitura transmite a impressão oposta, de que está começando; ou sempre recomeçando, reinventando-se a cada poema.


Claudio Willer



[1] Esta e as citações a seguir de Novalis, tirei-as da edição de seus fragmentos filosóficos em Novalis, Philosophical Writings, translated and edited by Margaret Mahony Stoljar, State University of New York Press, Albany, NY, 1997.

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TEXTOS APRECIATIVOS DA CONTRACAPA

- Poeta da matéria bruta do mundo e de um pensamento refinado que sobre ela se tece, Assis de Mello, em Na Borda da Ilha, revela, nesta obra  de estréia, um discurso ao mesmo tempo denso- pela concentração de imagens- e distenso- pela correnteza da palavra que não limita seu verbo aos  diques do minimalismo. Embora, em sua vasta cultura, Assis de Mello pareça ter ouvido inúmeros poetas, sua voz não se confunde com nenhum deles- e esse raro timbre próprio ressoa, límpido, em todo o livro.

Antonio Carlos Secchin
Poeta, Doutor em Letras e Professor Titular de Literatura
Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Membro da Academia Brasileira de Letras
 _______________



- Poemas surpreendentes. Totalmente originais, com um vocabulário raro e precioso, mas que não comprometem nem "barroquizam" os poemas, os quais são sempre interessantes, contundentes, instigantes.

Heloisa Buarque de Hollanda
Professora Titular de Teoria Crítica da Cultura,
Departamento de Teoria da Comunicação,
Escola de Comunicação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro
_______________



- O poema de abertura do livro Na Borda da Ilha, de Assis de Mello, já revela alguns elementos de sua poética: “É com olhos / e lentidão moluscos / que vejo o mundo / e também trago a casa às costas. / Relevo toda viscosidade / todos os géis, plasmas; / qualquer latejar é um caro amigo que tenho”. Temos aqui o discurso na primeira pessoa, mas a subjetividade é traduzida em imagens raras, que transformam a normalidade do cotidiano e da escritura. O corpo está presente, e também o universo das sensações, mas transmutados, na alquimia poética, em corpos verbais inusitados.

Claudio Daniel
Poeta, tradutor e ensaísta
Mestre em literatura
_______________



- A poesia de Assis de Mello avulta pelas fortes e afiadas relações sinestésicas que recriam a natureza e o próprio sujeito. Linguagem que traz uma nova e inusitada constelação de palavras/imagens/sensações que se arriscam no verso e incomodam por sua presença onírica. Eis o resgate de um universo semântico desafiador: “Algo se avulta / no oco / o novo reaviva o velho // e o som leve do hálito / partido / rompe o hímen do tempo / e crispa a pele do silêncio”. Uma poesia para ser: “Só nos sonhos me atrevo / E é por isso / que escrevo / agora”.

Susanna Busato
Doutora em Letras
Mestre em Comunicação e Semiótica
Docente de Literatura Brasileira na UNESP
de São José do Rio Preto
_______________




- ... exploração/impulsão abismal dos elementos primordiais; ... plenitude da impulsão originária; ... relâmpago/focalidade faunístico(a); ... imersão/fusão da liberdade perceptiva; ... um espelho da electricidade cósmica que me visitou/sensibilizou como uma lava magnetizadora; ... uma arquitectura aberta ao mundo que liberta o desconhecido e a respiração do silêncio.

Luís Serguilha
Poeta e ensaísta português
Autor de diversos textos criativos
sobre Literatura Contemporânea Brasileira
Detentor do Prêmio "Poeta Júlio Brandão" de literatura)
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ONDE ADQUIRIR O LIVRO:



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