domingo, 21 de fevereiro de 2010

NATUREZA

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Doze Haikais. Ou Algo Assim
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Para Pedro Du Bois
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Na casca frouxa
da mirtácea
uma China de seda
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Jararaca na varanda
e uma lua vertical
na pupila do céu
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O que opina
o opilião
sobre a lua no chão?
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O que guarda
o escorpião
no fundo do vão?
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Abelha verde
na orquídea nova
E um cheiro ocre de Anta
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Caminho do Poço Verde:
numa cova do barranco
os filhos mornos do tiê
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Alvorecer gotejante
Sob a folha da palma
três morceguinhos cochicham
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Lesma acrobata
num rapel de muco
e a lua na copa e um manto de bruma
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Tênues linhas
No longo caminho
uma aranha cogita
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Tramas de musgo
nas frestas da cortiça
e um fino zumbido a soar
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Mata densa:
na espiral da concha
uma rãzinha ouve o mar
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Velho mateiro
a capinar neblina
O araçari semeia a roça
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Esses pequenos poemas foram escritos na Estação Biológica de Boracéia, mantida pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, em Salesópolis, SP. Trata-se de um área coberta por uma belíssima floresta de neblina no topo da Serra do Mar, a qual frequento por pelo menos 32 anos, realizando pesquisas ou em atividades didáticas. Muito devo ao "Museu de Zoologia" e Boracéia é uma das grandes dádivas que me foi dada usufruir. Lá vivi, me formei, me perdi e me achei.
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24 comentários:

Caio Martins disse...

Chico,

impecável. Sementinha a sementinha, dentre as quais seus haikais (ou algo assim), mais firmeza no cipó de arueira, impediremos que a Natureza seja assassinada. Espero.

Pedro Du Bois disse...

Caríssimo Chico,
comovido pela homenagem, tento, de alguma forma, agradecer: falta-me o essencial, a palavra. Abraços devedores, Pedro.

valéria tarelho disse...

amei a dúzia de haikais [ou algo assim, que chamo: haicantos].

delicadeza, teu nome é Chico!

beijo!

Adriana Godoy disse...

Parece um mosaico de poesia. Belos e expressivos hai-kais. Chico, estava com saudades de seus escritos. beijo.

Ju Fuzetto disse...

Que delicados versos!

Mostram a densidade, a leveza e a pureza da natureza!!!

abraço

Adriana Godoy disse...

Chico, uma explosão de natureza nesses hai-kais maravilhosos. A gente sente cada clik, cada verso. Belo trabalho, mais uma vez, tem a minha admiração. beijo.

Raquel Fagundes disse...

Chicote,

Simplesmente adoro tudo o que escreve, justamente por essa delicadeza... Essa renda de palavras. É tudo tão visual! A pupila do céu com uma lua vertical foi demais. Instiga - Gosto também dos morceguinhos cochichando e da lesma acrobata. Beijos, AeroRaqs.

Clotilde Zingali disse...

que coisa linda se perder nesses seus versos :)) que coisa linda :))
Chico, vc tem razão sobre os cachorrinhos e a afeição :)) estou vendo isso no meu dia a dia com a Nica :)) engraçado, ontem minha mãe mandou um email que trazia uma relação (piada,né?) entre cães e esposas.... um dos dizeres referia a isso que falou: vc pode chamar o cãozinho de outro nome que ele vai até vc :)) quanto ao alívio da sua dor de cabeça, ah...isso é mais que perfeito. que legal que vc é aberto pra "vida". nossa maravilhosa vida :)) acho que todos os cãezinhos têm essa propriedade curativa :)) quem sabe "Arnica" é o primeiro nome de todos eles :)) um grande abraço pra ti!

Sandra Silva disse...

Acho que deveria fazer um estágio com vc pra ver se aprendo fazer haicai; ou, simplesmente, aprender o "algo assim" . (quando se quer, sempre se aprende algo que valha a pena, não é msm? Risos)

Bj na testa

Sandra Silva disse...
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Victor Meira disse...

Tem versinhos preciosos aqui. O segundo haicai eu acho ótimo. Gostei de "um cheiro ocre de anta" também, é um versinho com swing.

Belos poeminhas, Assis.

Anônimo disse...

Há quem pense que escrever micropoemas é tarefa fácil. Não é!
Faz-se necessária a habilidade de connaisseur, a precisão cirúrgica da palavra e o enfoque pictórico mais terno, com um máximo de alcance poético emoldurado por um mínimo de informação verbal.
Sua versatilidade de artista-cientista-naturalista, imbuída de profunda sensibilidade e ampla observação, nos presenteia com essas grandes pequenas obras, jóias que encantam a mente e deliciam o coração. Adorei!

Parabéns, Chico!

Benny Franklin disse...

Salve, Chico!
Genial como sempre.
Abs.

Batom e poesias disse...

Coisa boa, hai kais.

Gotinhas de poesia.
Gostei tanto da rãzinha ouvindo o mar na mata densa...
Bjs

Rossana

Flá Perez (BláBlá) disse...

Coisa demais de linda tudo isso!
bjbjbj

Sidnei Olivio disse...

Desconhecia o Chico haicainiano. Difícil não ser analítico sendo biólogo. Você consegue exercitar essa façanha nesses haicais.

como nos haicais
a natureza se comprime
dentro dos bonsais
(esse é procê)
abraço cumpadi.

Alma Mateos Taborda disse...

Excelentes Haikus, eres muy talentoso.

Anônimo disse...

das sementinhas para o mundo, tu és um desbravador da biodiversidade e da alma, que Deus o abençoe Chico, até breve.

Anônimo disse...

das sementinhas para o mundo, tu és um desbravador da biodiversidade e da alma, que Deus o abençoe Chico, até breve.

Anônimo disse...

Poeta,

Há lugares que caminham conosco, não é mesmo?!
Que bom que tens um assim tão significativo, ou melhor, cheio de "significâncias"!

.:.

Os haikais sempre me encantam.
Costumo dizer que é como fazer origami com as palavras.

Um prazer tê-lo no facebook e conhecer um blog tão rico como este.

Um abraço.
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Katyuscia

José Carlos Brandão disse...

Estou conhecendo agora seu blog, seus poemas. Gostei especialmente deste poemetos - o poema que parece exigir pouco, de fato exige muito e sabe ser muito em si mesmo.
Continuarei visitando-o.
Abraços.

Patricia Maês disse...

"... velho mateiro
a capinar neblina
O araçari semeia a roça"

Semeou em mim um sem fim de imagens e sons... fui transportada para essa mata densa e fiquei com a rãzinha ouvindo o mar.
Ouvi muito mais: trocamos idéias.

Adorei, Chico.
Muito bom, obrigada.
Patricia.

Radeir disse...

Filizardo, mostra
na terna gratidão
-do chão que o formou.
-
Ah, menino de sorte
alerta,lúcido e poético
- lanterna no olhar

Henrique Pimenta disse...

Great minimum...