sexta-feira, 6 de abril de 2007

INFÂNCIA ANTIGA II

Acrílico sobre tela
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Conformidade
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( Ao amigo “Tuco” Amalfi-----------------
pintor, poeta, mago das cores-----------------
pai das impossibilidades )-----------------
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trancar porta
e outra
se preciso for

abrir espaço
e outro
caso convenha

viver a vida
dos homens
manter o método
cabresto e rima

mas banir o sopro
do incondicional


: o vôo branco
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da ave nova----------------
o sonho inveja
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e a razão deturpa----------------
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A Breve História de Sexta-Feira
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( Para Neiva Guedes, bióloga,++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
mãezona da Arara Azul++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
amiga da humanidade++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
baleia de luz )++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
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O pequenino Sexta-Feira
morreu numa manhã nublada
após doze dias comendo goiaba
e enchendo a casa de alegria
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Caído do ninho quase sem penas
o bichinho minguava
no fio do asfalto
e piava de frio na noite medonha
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Desolado !
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Desolado
e sem remédio
como um pontinho
a carvão
( feito por alguma criança incauta )
a flutuar
no meio do mar:
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Quis compreender
o que projetava
o breu e o vento e o lobo da fome
a um bebê gaturamo
que perdeu a estribeira
numa quase primavera
mas nas horas
de apuro
a cachola humana
é só um poço de limites
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Bem...
quis o destino
que eu precedesse
o gato
e então dei-lhe um ninho
improvisado, chinfrin
numa caixa de sapatos
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E quero crer que por doze dias
Sexta-Feira foi feliz
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Aqueci-o com lâmpada
e alimentei-o no bico:
banana, goiaba
pêssego, mamão

e cada pio
do bichinho
nutria meus minutos

e cada chilro
abrir de bico
davam-me a ilusão
de ter na alma
uma baleia
de luz
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Sexta-Feira aos poucos
foi emplumando
e, de pena em pena
mostrou-me
que o cerne do mundo
está nas coisas simples
nas coisas esquecidas
não reivindicadas
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Miudinho, morno
tagarela
e com o olhar suplicante
de quem só tinha a mim
deitou em minhas mãos
seu próprio destinozinho
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Da forma mais cega
confiou
Como mulher nenhuma
nenhum parente
nenhum amigo
ousara tanto confiar
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Mas um dia
- numa manhã de sábado-
Sexta-Feira amanheceu calado
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O sábado não se deu
a Sexta-Feira
e todo o alento do universo
petrificou, miudamente
na caixinha de sapatos
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Tentei reanimá-lo
assoprei sua bundinha
implorei ao Deus Abrâmico
a Hera, Cernunos, Brán

- mas nada disso adiantou
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Enterrei meu filho
no jardim
à sombra de uma árvore
camuflada por filodendros
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Naquele sábado
guardei luto
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No domingo
não quis prosa
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A segunda
foi tão vazia
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E na terça
uns idiotas
derrubaram as duas torres
de Manhattan
pra protestar
contra a idiotice humana
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E eu resolvi
escrever
esta estória
mesmo com essa coisa
nos olhos
que é pra fazer a vez do canto
que Sexta-Feira não cantou
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