*
*
*
*
Na Sala de Espera
*
----------------------------------------( Para a amiga Zoe de Camaris
----------------------------------------que apresentou-me o poema
*
Há algo de estranho
neste espaço
Coisa que não se enquadra
*
*
Embora sejas bela, Matilde
bela e cheirosa
e tenhas a pele perfeita
e covinhas na face
e no lombo
ver-te adunca, compenetrada
----------------------assim
nessa escrivaninha
com pilhas de processos e arquivos mortos
traz-me a imagem de uma tênia tristonha e desconcertada
fita herdada de porco
num intestino enfartado
e moroso
*
*
As revistas de cultura e moda
com fotos de gente famosa
na sala de espera
o frigobar complacente
--------------------frios
--------------------latas com estampa diet
só condizem com a pompa
e as papadas dos patrões
que percevejam no fundo do prédio
--------------------mas não contigo
que certamente chegou
em dois ônibus
de uma gleba distante
pra assolar-se aqui
onde as cobras se enrodilham
e os agiotas
cobram
*
*
Sei que dás um duro danado na vida
e que é teu sangue que faz o giro
deste moinho sem vento
mas, neste cubo adventício
não és mais que um guarda-chuva
aberto em noite seca
*
*
E quando der 18 horas, Matilde ?
Haverá alguém a tua espera
pra lambuzar de noite
o cetim rosalvo
de tua pele
--------------------circuitada de celulose
e toner ?
*
Quem
pra pincelar
um brilho úmido
na lua nova de tuas dobras
e fazer-te rir ?
*
*
Haverá quem
ao menos te imagine
a corça branca do sonho matinal de Borges
--------------------emancipada
numa agreste balada da verde Inglaterra ?
*
*
Ou serei apenas eu, Matilde
--------------------( que acabo de aprender teu nome
--------------------nesse crachazinho surrado
--------------------alfinetado sobre o olho sestro
--------------------da lontra
--------------------que escondes embolada na rede
--------------------enquanto o outro
--------------------- o direito -
--------------------me espia como um trasgo
--------------------através dos orifícios
--------------------dessa renda
--------------------de sargaço)
a ter essas visões
de ímpeto portenho
no arremate roxo
de uma quinta-feira assim, regrada ?
*
*
azul
abelha metálica que visita orquídeas
e se embriaga de partículas
brilhos, grãos de pólen, gotículas
migalhas
polvorins... )
Pequenas partículas fazem o lastro
no calado
------------do batel dos sonhos
na angra dos sentidos
------------a viga-mestra
de tudo o que nos ceva
Gotas aspersas no ar
penas soltas
grãos de pólen
*
- eis a síntese
do que
importa -
*
( como pouco bastava
a Thoreau )
?
sem lua
enternecida
chuvenisca
cerração
*
*
Pois tudo mais é redundância
Um comentário:
Achei!...
Bom relê-lo...
Penso sim nos céus bem estrelados, e nos pólens dos jardins: partículas de vida, cor, luz...
Um abraço alado neste final de sábado outonal... Aqui no ninho-casulo-atelier, cheirinho de quentão no ar... com cravo e canela!
Postar um comentário