sexta-feira, 6 de abril de 2007

DESLUMBRAMENTO

Acrílica sobre papel
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Elvira
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-----------------------------------------------------------( Ao poeta Benjamin Péret )
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Às peles de Elvira
não bastava o chenile
no colchão
iam ao chão
tocavam as poltronas de napa
naqueles dias suados de calor
( e abraçavam as pernas tortas
da penteadeira art nouveau
como um tipo de ameba
a fagocitar
uma espiroqueta orgulhosa e vã )
ganhavam a cozinha
o espaço debaixo da pia
do fogão
vazavam pelas ruas
, bem me lembro

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Entravam nas bocas de lobo
as dobras de Elvira
caiam nos arrabaldes
( não havia favelas então )
cobriam as colinas das fazendas
sufocando o gado
achatando o terreiro
dos porcos
os canaviais colinosos
amolgando planícies
engolindo varjões
, ah se me lembro
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As crianças temiam Elvira
quando os pais demandavam silêncio

e, no entanto,
um eterno cheiro de bolo
exalava da casa do papão rosado
como o aroma do cafezinho sempre fresco
represado num bule de ágata

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Quando mocinha
Elvira já era
uma Vênus de massa
paleolítica, italianada
- vim a saber depois
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Já tinha a cabeça sumida nos bobes
feito uma batata
num panelão de brajolas
nas domingueiras paroquiais
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E ria, como ria...
Ria como se fosse morrer

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Ao partir
já com 80 e tantos
não houve caixão
pra tanto perímetro:

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improvisou-se um imenso sudário
com sacaria de estopa puída
doada pela beneficiadora de algodão
e todas as mulheres da cidade
ajudaram na confecção do manto
com cara esquisita
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No sétimo dia de costura após costura
- os dedais já gastos
o cadáver roxo
os olhos saltando, a língua pra fora -
os homens da corporação tentaram embrulhá-la
com solenidade não convincente

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mas nem o coração de Elvira
coube nas léguas de pano
pois era, de fato, uma santa
e tudo nela
coração
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Ninguém chorou por Elvira
e hoje as crianças têm vergões na bunda
de tanto fazer bagunça
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