sexta-feira, 6 de abril de 2007

O PINTOR

Acrílica sobre duratex empermeabilizado
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A Casta Judith
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-------------------------------------( Ao poeta Antonio Cisneros )
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A casta Judith
beata de óbito e nascença
não foi de se cheirar

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Há boatos de que sobre nada meditou na vida
e a todos execrava
prescrita por antigos sacerdotes
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Bebês lhe eram gosmentos
a juventude transversa
homens ficassem longe
mulheres: vacas

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Deambulou por cerca de 700 anos
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Trancafiada num quintal
estercava canteiros de flores
e solfejava, pra si mesma, hinos celestiais

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Pobre alma
resumida em revirar estrume
e a espiar o mundo em malogro

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Como a tia-avó do poeta Cisneros
preocupou-se mesmo
em manter a boca e as pernas bem fechadas

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Nunca estimou bichos de pêlo
e botava veneno pros gatos

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Tão rude foi - e tão mesquinha -
que ao arrumarem seu corpo para o esquife
não careceu de algodão nas ventas

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Mulher azeda que amava flores aquela Judith
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Amava-as sem desconfiar da orgia
que as plantas faziam em seu quintal
e jamais cismou que semente e fruto
são denúncias de um conluio genital

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Passava manhãs e tardes a glorificar abelhas
que lambiam as pequenas anteras dos falos vegetais
cobertas de pólen
e sorviam o doce dos gineceus
- aveludadas vulvas
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A morte libertou-a pouco
de seu diário louco:

inumada num cascalho
onde mal cresce o mastruço
um cãozinho chamado Torresmo
irriga sua lápide
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---------------------- Saph-Ira
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(A uma doida
que chegou da esquina
botou fogo na cortina
e foi-se embora)
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-------------------------Pois sim, pequena Safo azulejada
-------------------------caiada de urucu

-------------------------cantaste ( -me )
-------------------------o que poetas
-------------------------e escalaste o cerro
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Cerro os olhos
e procuro os troncos que te escoram
as aduanas de cristos permissivos
em que te perdes
as novilhas mornas
sobre as quais relinchas

-------------------------e também
-------------------------a pradaria
-------------------------as sementeiras
-------------------------os tabuais por onde sopras
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Mas tudo o que fazes é camuflar-te
como um louva-a-deus
naqueles óstios rebuçados
na vertente das escarpas


nas itaocas
em que me vetam coligir pepitas

nos algares e sumidouros
onde meus olhos não chegam

e qualquer indagação
sóbria, ébria
impertigada
não me acede

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Lelé, teu codinome
L-L, tuas iniciais dobradas

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:
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bica a manar segredos
muito além de meu leito de piçarra
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-------------------------(há
-------------------------porém
-------------------------quem te veja
-------------------------um olho d’água
-------------------------no relvado das sibilas

-------------------------ou quem drague-te
-------------------------cacimba
-------------------------nas agrestes solidões)
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Mas aqui, só areia
só recesso
contrações


-------------------------e eu
-------------------------neste meu feitio curioso
-------------------------de guaxinim desgraçado
-------------------------vou-me redimindo
-------------------------aos poucos
-------------------------nos rituais de cópula
-------------------------das
-------------------------moscas
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( Sem pejar:
não tarda, serei santo )
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