*
*
*
*
“Não traço dores tampouco alegrias / Antes sorria agora sou um livro”
Poeta, ficcionista, física, musicista
*
A poeta Denise Emmer escreveu 14 livros e recebeu diversos prêmios. A sua obra mais recente, Lampadário (7Letras, 2008), foi dado o prêmio ABL de Poesia. Lampadário traz uma poesia que trata do amor, da morte, do tempo — temas universais, problemas existenciais fundamentais do ser humano — com tal poesia de frase exata, imagem contundente, sensualidade de tato e movimento. Desde o princípio e no decorrer de sua produção, a qualidade de sua literatura tem sido referendada por críticos como Raquel de Queiroz, Ivan Junqueira, Nelson Werneck, Alexei Bueno (que escreveu o prefácio do livro citado), entre outros. Em entrevista à Capitu, Denise fala da motivação a escrever poesia, sobre suas influências e temas. “Se ao lermos um poema este não nos causa surpresa, assombro ou mesmo calafrios, é porque estamos frente a um texto banal”.
O que queremos dizer com a frase exata? No poema Mulheres que enterram filhos, temos um exemplo. A definição. Mulheres que enterram filhos / Invertem o curso dos rios. O que queremos dizer com a imagem contundente? Os versos seguem: (...) Deságuam o mar em regatos / (...) Maçãs retornando à árvore / Tropeços da gravidade. A definição, a imagem: Mulheres que enterram filhos / (...) Instauram o não previsto / E deixam pequenos cristos.
*
*
*
*
*
*
*
*
Denise Emmer — Creio que me incluo no segundo caso. O vicio de buscar respostas para o que desperta espanto e perplexidade me induz a um movimento essencial, onde os sentimentos e a verdade são as grandes motivações. Sem verdade não há arte que sobreviva, e nela encerra-se o sentimento real das coisas, o sentimento do mundo de Drummond. Logo, não me considero racional, mas emocional, sem deixar que a emoção me leve a um transbordamento caudaloso.
Denise — A Física está intimamente ligada à música. Se eu partir para uma definição física da música, diria que são ondas que se propagam no espaço... ou mesmo que é a forma matemática de fazer melodias. A execução de uma partitura depende da decodificação de frações matemáticas, compasso por compasso. Entretanto, prefiro me afastar da dedução exata dos fenômenos, o que seria simplista, e aproximar-me do conceito de música como manifestação de arte pura, e aí entra a poesia, que, para mim, é a música da linguagem na sua máxima expressão. A influência que a poesia recebe das duas áreas é a da criação imaginativa sem a qual não se produz qualquer obra de arte. E, sem querer ser banal, a ciência reflete o mundo da natureza que foi criado por um Ser maior, e a arte é a expressão desse mundo criada pelo homem.
Bem, quanto a minha escolha pela Física, foi conseqüência de uma inquietação interna. A curiosidade pretensiosamente juvenil de desvendar mistérios insolúveis, e também um encantamento pelo universo que me cerca. Daí, creio eu, a ligação com a poesia, que , segundo a resposta acima já explica, vem da perplexidade e da angustia do estar no mundo.
Capitu — Isso me leva a uma curiosidade? No que afinal você trabalha? Você vive de escrever mesmo?
Denise — Logo que me formei em Física trabalhei na área de pesquisa em energia solar. Hoje, sou professora de música e violoncelista. Dou aula de percepção e violoncelo. Infelizmente não dá para viver de poesia. Mas, até que gostaria muito.
Capitu — Acredito que Cecília Meirelles — pela relação com o fim e a morte — e Hilda Hilst — pela visão sensual e algo desesperançada (ou amarga ou outra palavra) do amor — são influências suas. Isso é verdade? Quais escritores, músicos, artistas, cineastas tiveram impacto na sua produção poética? Como esse impacto se dá?
Denise — A poesia de Cecília Meireles, inspirada em alto misticismo, tem raízes simbolistas, e assim como Verlaine, recorre a um acento penumbroso e esvaído. Creio pertencer a essa categoria de poetas que trazem às suas matizes a fugacidade da vida, o fim redutor das coisas ao nada e a ausência. Ao mesmo tempo, como os simbolistas (e principalmente Cruz e Souza) a musicalidade de meus poemas não é mera coincidência, escrevo-os como se tocasse um instrumento. Pois, para mim, há musica nas palavras e acordes nos versos. Quanto à desesperança amorosa de Hilda Hilst, vejo como um tema universal tratado de formas variáveis, e que admito estar presente em minha poesia.
Os escritores que me influenciaram, ou melhor dizendo, que me transportaram a um mundo novo, são muitos: Cecília Meireles (que li ainda menina), Drummond, Cruz e Souza, João Cabral, Rimbaud, Dylan Thomas, Rilke e tantos outros. Os Romancistas: Machado de Assis, Graciliano Ramos,Clarice Lispector,Miguel de Cervantes Saavedra, Thomas Mann..., Dos vivos, prefiro me abster da resposta, pois certamente me esquecerei de alguns. Na música, Bach foi o meu formador quando iniciei os estudos de piano. Mas, fico também com Beethoven, Mozart, Haydn (pelos quartetos de corda), Fauré, Saint-Saëns e Villa Lobos. Dos vivos, cito o genial Elomar Figueira de Mello que é certamente um dos grandes compositores brasileiros.
Capitu — A orelha do livro me diz que seus temas são "o amor, a morte, o tempo, o sonho". Parece-me que a dialética entre todos esses conceitos é entre ausência e a presença fugaz, que dura pouco. Quer dizer, a falta das coisas e a posse das coisas ou a vivência do instante que é efêmera. Isso pode ser dito? O que você tem a dizer sobre esses quatro temas declarados e a minha hipótese?
Denise — Digo que não estou apresentando qualquer novidade, uma vez que esses quatro temas são recorrentes e perseguidos por toda a humanidade em seu pequeno ciclo de existência. A discussão seria de como escrevê-los sem cair na mesmice, ou na repetição de fórmulas já exploradas. A dialética entre ausência e presença fugaz, leva a uma lírica do mistério. E o que seria a poesia sem o mistério ou o espanto? Falar sobre o amor e a morte, ou claro/escuro, a posse e a fugacidade, todos os poetas (mesmo os não metafísicos, dos temas prosaicos) sempre estarão falando. A questão é inventar uma nova forma de dizer, trazer uma nova dicção com imaginação e singularidade. Creio que na criação poética está implícita uma parcela de estranhamento e misticismo. Se ao lermos um poema, este não nos causar surpresa, assombro ou até mesmo calafrios, é porque estamos diante de um texto banal. E finalizo, portanto, com uma citação do grande poeta alemão Novalis: “a poesia é a religião da humanidade."
*
7 comentários:
Chico, excelente entrevista. A resposta última à questão da poesia é realmente pertinente e sábia. Gostei. beijo.
Uma poeta exuberante! Merecedora de prêmios e aplausos... Gostei do que li e gostei de a ter descoberto! Abraços!!!
"Se ao lermos um poema, este não nos causar surpresa, assombro ou até mesmo calafrios, é porque estamos diante de um texto banal."
Fantástica!
Saudades dos teus poemas que sempre me causa essas sensações citadas aí em cima, amigo Chico.
bjs
Excelente postagem, caríssimo Chico Assis!!! Estava com saudades de passear por aqui, e foi uma grata surpresa encontrar este texto, e entrevista. Deixo abraços alados azuis para ti, amigo.
Ótima a matéria sobre a estelar Denise Emmer. E linda, muita linda essa foto sua, sem chapéu, Chico - inveja é coisa feia, mas esse retrato eu gostaria de ter feito. Abraços.
Oi Chico,
Realmente um presente a preciosa poética de Denise Emmer.
A coluna da direita é justa referência a você ,a poesia e a este espaço de tons e versos.
Com admiração,
Cris
Poesiatudo...
Postar um comentário